61 anos. No auge da carreira. Dois filhos praticamente adolescentes. Uma mulher linda, que redescobriu a vida de mãos dadas com ele.
Disse à mãe que não queria ir. Mas precisava. Dois dias depois, não deu mais notícias.
A história ouvida, milhares de vezes repetida, a cada vez fazia menos sentido. O que era selva na verdade era mata. Quase cerrado. Discursos improvisados foram perdendo voz. A realidade começou a ganhar força.
Cinco dias, quase cinco anos de espera pelo último momento. E, quando finalmente a angústia deu lugar à tristeza, ouço o padre chamando a ele e ao companheiro "mártires". Dizendo que morreram no cumprimento da missão.
Seu padre, mineiramente, com o perdão da intromissão, qual era mesmo a missão dele? Não seria cuidar dos pais? Orientar os filhos? Encher de amor a mulher? Inspirar os sobrinhos? Encantar os amigos com sua irreverência hilária, explosiva, atrevida e carinhosa?
Seu padre, quem foi que disse que a missão da vida dele era construir hidrelétricas???
De repente, a gente se dá conta de que, no mundo das grandes corporações, os meios se transformam em fins. Sim, porque, em algum lugar do tempo, pessoas jurídicas eram meios para que as pessoas físicas suprissem suas necessidades. Depois, passaram a ser meio de realizar sonhos. E, silenciosamente, foram usurpando o lugar desses sonhos, travestindo-se com a roupa deles, até que as PJs convenceram as PFs de que elas SÃO o sonho.
Na divisão dos talentos, as PJs ficam com a parte boa. Colhem os louros, os méritos, crescem, conquistam. As PFs? Ah, as antigas donas do sonho agora sonham um sonho alheio. Tornam-se pequenas, tornam-se descartáveis. São apenas mais uma peça na engrenagem.
Sabe, seu Padre, ontem deu no jornal que o trabalho continua. E continua como estava: sem nenhuma mudança. Outras PFs foram escaladas para continuar a sonhar o sonho. Do mesmo jeito. Correndo o mesmo risco. O espetáculo não pode parar.
Uma coisa que tem dado voltas na minha alma ganhou voz na fala da Ana Maria, hoje, ao telefone: "Tem que haver um sentido em todo esse sofrimento.".
Foi absurdo. Foi injusto. Foi errado. Tudo errado. Mas deixou uma reflexão: por quem estamos abrindo mão dos nossos sonhos? Estamos sonhando os sonhos de quem? São sonhos pelos quais vale a pena viver? São sonhos pelos quais vale a pena morrer?
Na última vez em que conversamos, dando uma gargalhada entre dois goles de uísque, o Mário me chamou de politicamente incorreta. Ainda bem. Em homenagem a ele, saí da missa sem dizer Amém.
Vick, não diga amém.
ResponderExcluirDizer amém é engolir a idéia de que a morte deles foi por uma nobre causa, pois provavelmente é isso que os donos da empreiteira e os governos envolvidos diriam. Provavelmente, a família receberá uma carta da empresa, informando que sentem a dor e a perda de uma bom funcionário.... bla bla bla. Infelizmente, para a empresa, uma morte é apenas estatística. No final das contas, quando a água já estiver barrada e gerando lucros, ele não será mais lembrados pelos que assinaram a carta.
Mesmo assim, nunca serão esquecidos pelo parentes.
Enquanto as pessoas que trabalham, continuarem sendo tratadas como estatísticas, em prol de um "desenvolvimento", veremos isso se repetir, infelizmente.
Força minha querida. Beijos
George
Tem razão, George. É muito bom saber que tem mais gente que pensa assim! Bjs
ResponderExcluirVick
Não foi por acaso (nunca é, não é mesmo?) que fiquei tão tocada quando vi a notícia no jornal, ainda sem saber do seu parentesco com ele.
ResponderExcluirAgora sinto mais ainda. Compartilho da sua dor e da dor de toda a família.
Também não consigo dizer Amém.
Beijo no seu coração.
Obrigada pelas lindas palavras, amiga... muitos beijos!
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