segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Pesadilla



61 anos. No auge da carreira. Dois filhos praticamente adolescentes. Uma mulher linda, que redescobriu a vida de mãos dadas com ele.


Disse à mãe que não queria ir. Mas precisava. Dois dias depois, não deu mais notícias.


A história ouvida, milhares de vezes repetida, a cada vez fazia menos sentido. O que era selva na verdade era mata. Quase cerrado. Discursos improvisados foram perdendo voz. A realidade começou a ganhar força.


Cinco dias, quase cinco anos de espera pelo último momento. E, quando finalmente a angústia deu lugar à tristeza, ouço o padre chamando a ele e ao companheiro "mártires". Dizendo que morreram no cumprimento da missão.


Seu padre, mineiramente, com o perdão da intromissão, qual era mesmo a missão dele? Não seria cuidar dos pais? Orientar os filhos? Encher de amor a mulher? Inspirar os sobrinhos? Encantar os amigos com sua irreverência hilária, explosiva, atrevida e carinhosa?


Seu padre, quem foi que disse que a missão da vida dele era construir hidrelétricas???


De repente, a gente se dá conta de que, no mundo das grandes corporações, os meios se transformam em fins. Sim, porque, em algum lugar do tempo, pessoas jurídicas eram meios para que as pessoas físicas suprissem suas necessidades. Depois, passaram a ser meio de realizar sonhos. E, silenciosamente, foram usurpando o lugar desses sonhos, travestindo-se com a roupa deles, até que as PJs convenceram as PFs de que elas SÃO o sonho.


Na divisão dos talentos, as PJs ficam com a parte boa. Colhem os louros, os méritos, crescem, conquistam. As PFs? Ah, as antigas donas do sonho agora sonham um sonho alheio. Tornam-se pequenas, tornam-se descartáveis. São apenas mais uma peça na engrenagem.


Sabe, seu Padre, ontem deu no jornal que o trabalho continua. E continua como estava: sem nenhuma mudança. Outras PFs foram escaladas para continuar a sonhar o sonho. Do mesmo jeito. Correndo o mesmo risco. O espetáculo não pode parar.


Uma coisa que tem dado voltas na minha alma ganhou voz na fala da Ana Maria, hoje, ao telefone: "Tem que haver um sentido em todo esse sofrimento.".


Foi absurdo. Foi injusto. Foi errado. Tudo errado. Mas deixou uma reflexão: por quem estamos abrindo mão dos nossos sonhos? Estamos sonhando os sonhos de quem? São sonhos pelos quais vale a pena viver? São sonhos pelos quais vale a pena morrer?


Na última vez em que conversamos, dando uma gargalhada entre dois goles de uísque, o Mário me chamou de politicamente incorreta. Ainda bem. Em homenagem a ele, saí da missa sem dizer Amém.