domingo, 15 de maio de 2011

Empregaço

Quando eu trabalhava como voluntária em uma instituição que acolhe crianças com paralisia cerebral e mostrava a alguém o site, ou levava para conhecer o trabalho, geralmente as pessoas diziam: "como você é caridosa" ou "eu não aguento", "eu não tenho coragem". São duas reações quase imediatas: pena e medo.

Também senti as duas em meu primeiro contato. E a cada vez em que recebo a bênção de poder trabalhar como voluntária, vejo o quanto a realidade é diferente disso.

O medo é inerente a todo desafio. Vem junto com o novo, o desconhecido. O voluntariado é um novo trabalho, como qualquer outro, então é de se esperar que traga um friozinho no estÔmago mesmo. Acontece que a impressão que eu tenho é que o "chefe", seja ele quem for, providencia uns EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) que nenhum outro trabalho tem.

Eu, por exemplo, ganho óculos cor-de-rosa. Quando eu faço trabalho voluntário, simplesmente não enxergo dor, não enxergo sofrimento. Ontem, no Hospital da Baleia, não dava para ver sofrimento naquelas carinhas que riam dos meus óculos ridículos enquanto tomavam quimio na veia. Não dava para encontrar infelicidade naqueles olhinhos curiosos que xeretavam minha bolsa enorme, cheia de bobaginhas: aviõezinhos de plástico, pastas de dente com sabor de fruta, pulseiras coloridas, aneis com pedras enormes e brilhantes. Também não dava para ver a dor que devia passar por dentro do coração das mães que sorriam ao ganhar um sabonete cheiroso, pois não tinham levado nada consigo - pensavam que o filho iria apenas fazer um exame, e acabaram ficando, às vezes por meses.

Agora falemos sobre a pena. É uma arrogância absurda, sem fundo, essa nossa mania de pensar que, porque alguém está em uma situação física, financeira, em qualquer aspecto, diferente da nossa, essa pessoa está pior que nós. Uma vez fui a um hospital com um amigo sensitivo, dar um passe em uma menininha que estava agonizando. Saindo de lá, ele disse "quem você pensa que tomou o passe? Pois é, fomos nós. E quem deu foi ela". Em momentos como esse, a gente se sente ridículo em ser tão prepotente. A grande verdade é que muitas das pessoas que estão sofrendo em hospitais, asilos, orfanatos, têm o espírito muito mais forte e elevado que o nosso. Ontem, cheguei a uma enfermaria e notei que uma mocinha de seus 14 anos, deitada lá no fundo, me fitava com olhos sorridentes. Ela parecia dizer "vem cá, estava te esperando, venha ganhar um sorriso". Dava vontade de ficar perto dela, trocando ideias sobre a oitava série que ela havia deixado lá fora, comentando como estava complicado encontrar na bolsona um presente para ela, que não era mais criança... cada palavra dela vinha com um sorriso maior, e meu coração sorria com ela.

Se a gente conseguisse compreender que essas pessoas têm muito mais a nos dar que nós a elas, se conseguíssemos traduzir em números o quanto nossa alma fica leve e alegre depois desse contato, nenhuma instituição precisaria convidar voluntários. Racionalmente, estaríamos todos na fila, esperando a nossa vez de receber energia.

Como eu disse lá em cima, voluntariado é um trabalho como qualquer outro. Só que paga muito mais e melhor.


terça-feira, 3 de maio de 2011

A Galinha e o Mico




Mais uma da minha irmãzinha. Que vai acabar torcendo o meu pescoço porque resolvi publicar as peripécias dela.

Antes, cumpre esclarecer que Val adora enfeites de cozinha com galinhas. Tem tudo: luvas, bandeja, tigelas, porta-guardanapos, pano de prato...

Domingo de manhã, concerto da filarmônica na Praça da Liberdade. Astral delicioso, pessoas queridas, bichinhos, molecada, todo mundo se acabando.

Daí passa uma menininha, pequenininha, muito fofinha e bem-produzida, usando um vestidinho lindo, bordadinho com... galinhas. Pois a pessoa nem pestanejou. Apontou pra mocinha, deu um sorriso enorme e disse em alto e bom som: "Olha, Ana, igualzinho ao meu pano de prato!!!!".

... quisera um pano de prato pra cobrir minha cara de vergonha.